Salvação é Universal, Mas só os Predestinados Serão Salvos
O Equilíbrio entre o Chamado Universal e a Eleição de Deus
Antes de tudo, não venho aqui defender nem gregos, nem troianos, mas apresentar a concepção de um andarilho pesquisador, que busca o melhor dos dois mundos.
Apesar de parecer contraditório dentro da doutrina da soteriologia, este tema foi escolhido deliberadamente, não sob uma lente eisegética, mas com base em um arcabouço exegético e na orientação da palavra do Deus vivo.
Portanto, como diria o detetive Sherlock Holmes: vamos por partes.
A tensão entre a universalidade da salvação e a predestinação é um tema teológico complexo, debatido há séculos. Ambas as perspectivas encontram respaldo em diferentes interpretações das Escrituras e tradições religiosas.
1. A Universalidade da Salvação
Há inúmeros versículos que evidenciam a amplitude do chamado divino, indicando que Deus deseja que todos sejam salvos:
João 3:16 (ACF) — "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna."
Mateus 11:28 (ACF) — "Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei."
Marcos 16:15 (ACF) — "E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura."
2 Pe 3:9 (ACF) — "(...) não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se."
1 Timóteo 2:4 (ACF) — "Que quer que todos os homens sejam salvos, e venham ao conhecimento da verdade."
O convite à salvação é universal. O evangelho é pregado a todos, e a oferta da redenção em Cristo está disponível sem distinção de raça, cultura ou classe social. No entanto, se o chamado é para todos, por que nem todos serão salvos?
Apesar do convite ser amplo, nem todos que ouvem o evangelho o aceitam (Mateus 19:16-22; 7:14; Romanos 10:16), e as Escrituras indicam que há aqueles que são especialmente escolhidos por Deus (2 Tessalonicenses 2:13). Isso nos leva à questão da predestinação e da eleição.
2. A Escolha dos Eleitos
Enquanto a Escritura afirma que muitos são chamados, mas poucos são escolhidos (Mateus 22:14), surge a questão crucial: o que significa exatamente essa escolha divina?
Para entender a profundidade desse conceito, precisamos explorar o que a Bíblia ensina sobre predestinação. Efésios 1:4 e Romanos 8:29 nos ajudam a entender que, antes da fundação do mundo, Deus já havia eleito aqueles que seriam conformes à imagem de Seu Filho, predestinando-os para a salvação.
3. Mas o que exatamente significa a predestinação e como ela se encaixa no plano soberano de Deus?
A predestinação é frequentemente mal interpretada. Muitos associam o termo a uma ideia de destino fixo e imutável, o que pode gerar uma visão fatalista, onde o ser humano seria privado de sua liberdade de escolha. Contudo, a visão teológica de predestinação não é uma imposição rígida, mas, sim, a expressão do plano soberano de Deus, que desde antes da criação do mundo, já sabia quem escolheria seguir a Sua vontade. Ou seja, a predestinação deve ser entendida como a segurança de que Deus tem um plano redentor para aqueles que, por sua livre vontade, respondem ao Seu chamado e decidem confiar n'Ele.
Por exemplo, imagine um mapa detalhado de uma cidade. Deus, em sua onisciência e presciência, conhece todas as ruas e caminhos. Ele pode ver onde cada pessoa está, para onde está indo e o que irá acontecer com cada uma delas. Isso não significa que as pessoas não tenham liberdade para escolher seus próprios caminhos, mas sim que Deus conhece todas as possibilidades.
A predestinação, então, se baseia na onisciência e presciência divina.
4. Onisciência e Presciência de Deus
Deus é onisciente, ou seja, Ele conhece todas as coisas desde antes da fundação do mundo. Sua presciência não é apenas saber o futuro, mas também conhecer de forma íntima e profunda aqueles que Lhe pertencem. Em outras palavras, Deus já previa quem atenderia ao propósito da salvação.
É importante notar que, em nenhum momento, isso elimina o livre-arbítrio humano. Deus, em Sua soberania e sabedoria infinita, conhece, sem forçar, quem responderá positivamente ao Seu convite. O erro de associar a predestinação a um conceito pejorativo surge frequentemente da ideia de que algumas pessoas seriam predestinadas à condenação, mas isso não é o que as Escrituras ensinam. Pelo contrário, a predestinação é um reflexo do amor e da graça de Deus, que, em Sua onisciência e presciência, já sabia quem corresponderia à Sua mensagem de salvação, mas isso em nada impede que o ser humano exerça sua liberdade para fazer essa escolha.
Além disso, isso nos leva a outra questão: se Deus já sabe quem será salvo, o ser humano tem livre-arbítrio?
5. Livre-Arbítrio
O conceito de livre-arbítrio mudou após a Queda. A vontade do homem antes do pecado era imaculada, pura, sem malícia ou corrupção. No entanto, desde o Éden, a natureza humana se degradou, tornando-se inclinada ao pecado (Romanos 5:12; 7:18-19).
Com essa transformação, surge uma questão vital: Se Deus já sabe quem será salvo, isso significa que o ser humano não tem escolha real? Aqui entra um ponto fundamental: a relação entre a soberania divina e a responsabilidade humana. A Bíblia afirma tanto a presciência de Deus quanto a necessidade de resposta do homem a proclamação da salvação (crer e confessar — Romanos 10:9-10; João 1:12; Hebreus 11:6). Mas, se a natureza humana foi corrompida pelo pecado, como alguém pode verdadeiramente escolher a Deus?
A resposta está na ação da Graça Previniente.
Pense nisso como um diretor de cinema: ele tem uma visão completa do filme que deseja criar. Conhece o início, o meio e o fim. Escolhe os atores e define seus papéis. No entanto, eles ainda têm a liberdade de interpretar seus personagens à sua maneira, dentro dos limites do roteiro.
6. Graça Previniente
A Graça Previniente é a ação do Espírito Santo que precede a decisão humana, tornando possível a resposta positiva ao chamado de Deus. Sem essa graça, o homem permaneceria espiritualmente morto e incapaz de buscar ao Senhor por si só.
Romanos 3:10 (ACF) — "Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer."
Romanos 3:23 (ACF) — "Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus."
Dessa forma, a capacidade do homem de escolher a Deus por si mesmo foi comprometida. Se dependêssemos apenas de nossa própria vontade, ninguém buscaria a Deus verdadeiramente.
É aqui que entra a Graça Previniente.
Isto é, a salvação é oferecida a todos, mas apenas aqueles que são tocados e convencidos pelo Espírito Santo conseguem responder ao chamado de forma genuína.
João 6:44 (ACF) — "Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer (...)"
Romanos 8:16 (ACF) — "O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus."
7. Linhas Teológicas Sobre a Salvação
Dentro do cristianismo, há diferentes correntes teológicas que tentam conciliar a universalidade da salvação com a predestinação. As principais são:
▪️Calvinismo (Soteriologia Reformada)
Baseado nos ensinamentos de João Calvino, o Calvinismo enfatiza a soberania absoluta de Deus na salvação e se apoia nos chamados "Cinco Pontos do Calvinismo" (TULIP):
1 - Depravação Total: O homem está espiritualmente morto e incapaz de escolher a Deus sem a ação divina.
2 - Eleição Incondicional: Deus escolheu, desde a eternidade, aqueles que serão salvos, independentemente de méritos ou obras.
3 - Expiação Limitada: Cristo morreu apenas pelos eleitos, não por toda a humanidade.
4 - Graça Irresistível: Quando Deus chama um eleito, esse chamado é eficaz e não pode ser rejeitado.
5 - Perseverança dos Santos: Os verdadeiros eleitos jamais perderão a salvação.
▪️Arminianismo
Baseado nos ensinamentos de Jacobus Arminius, o Arminianismo enfatiza a responsabilidade humana na resposta ao chamado de Deus. Ele ensina que:
1 - Graça Previniente: Deus concede a todos os homens uma graça inicial que os capacita a escolher ou rejeitar a salvação.
2 - Eleição Condicional: Deus escolhe aqueles que, em Sua presciência, sabia que creriam.
3 - Expiação Universal: Cristo morreu por toda a humanidade, não apenas pelos eleitos.
4 - Graça Resistível: O homem pode rejeitar o chamado de Deus.
5 - Possibilidade de Perda da Salvação: A salvação pode ser perdida se a pessoa se afastar de Deus.
▪️Molinismo
Essa linha teológica, associada a Luis de Molina, tenta harmonizar a soberania de Deus com o livre-arbítrio humano através do conceito de conhecimento médio. Ele ensina que Deus conhece todas as escolhas possíveis que cada pessoa faria em diferentes circunstâncias e, com base nisso, ordena os eventos do mundo de maneira que Seus planos se cumpram sem violar o livre-arbítrio.
Nota: Além das linhas teológicas exploradas, existem outras perspectivas sobre a salvação, como o universalismo (que afirma a salvação final de todos) e o inclusivismo (que postula a salvação através de Cristo, mesmo para aqueles sem conhecimento explícito d'Ele), que não foram abordadas em profundidade neste artigo devido ao seu foco principal na tensão entre o chamado universal à salvação e a eleição divina dentro das linhas teológicas mais tradicionais.
8. Livre-Arbítrio e Responsabilidade Humana
A grande questão por trás dessas doutrinas é: se Deus já sabe quem será salvo, a responsabilidade humana ainda existe?
Nesse contexto, a resposta depende da perspectiva adotada. O Calvinismo enfatiza que a salvação depende inteiramente da graça soberana de Deus, enquanto o Arminianismo e o Molinismo argumentam que o homem tem um papel ativo em responder a convocação divina.
O que todas as linhas concordam, no entanto, é que ninguém pode ser salvo sem a ação de Deus. Seja através da predestinação, do conhecimento médio ou da graça preveniente, é sempre Deus quem inicia e sustenta a salvação.
9. Implicações para a Igreja e a Vida Cristã
Conclusão
A salvação é oferecida a todos, mas apenas os que forem convencidos pela Verdade responderão de forma eficaz (João 8:32). Seja pela soberania absoluta de Deus (Calvinismo), pela presciência divina (Arminianismo) ou pelo conhecimento médio (Molinismo), o fato é que Deus tem pleno controle sobre quem será salvo.
Embora a salvação dependa exclusivamente da graça soberana de Deus, nossa resposta ao Seu chamado é um reflexo da liberdade que Ele nos concede. A relação entre a soberania divina e a responsabilidade humana não diminui a importância da nossa escolha, mas a eleva à luz da graça redentora que Deus, em Sua infinita sabedoria, nos oferece.
Como já mencionado, a realidade é que o ser humano, por si só, não pode escolher a Deus sem que Ele mesmo o capacite. Isso reafirma que a salvação não é obra do homem, mas um dom de Deus, concedido por Sua graça soberana:
João 15:16 (NAA) — "Não foram vocês que me escolheram; pelo contrário, eu os escolhi (...)"
Efésios 2:8-9 (ACF) — "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie."
No fim, não se trata apenas de um conceito teológico, mas de um relacionamento real e transformador entre Criador e criatura: um chamado à fé e à rendição.
Agradecimento
Agradeço a Deus, que, com Sua infinita misericórdia e sabedoria, me conduziu ao entendimento e à capacidade de escrever sobre um tema tão polêmico e desafiador. Este artigo é fruto de uma busca sincera por compreensão e verdade, e minha esperança é que ele reflita a profundidade de Sua graça e o mistério de Sua vontade. Toda honra e glória a Ele, que é a fonte de todo o conhecimento e revelação.
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Diogo Oliveira |
Abordar questões tão complexas e apresentar de forma bem didática é uma característica louvável deste texto . Parabéns ao escritor! Muito elucidativa sua explicação e bem estruturada. Conseguimos ter uma visão panorâmica das principais perspectivas sobre a soteriologia, e entender a visão majoritária.
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