A Bíblia e o álcool: onde a moderação encontra a contradição



Jesus bebia vinho alcoólico? Desvendando a verdade por trás da polêmica milenar



A polêmica sobre o "vinho" bíblico ser alcoólico ou não é fascinante! Já me peguei pensando: "como algo tão cotidiano hoje gerava tantos debates antigamente?"

Pois é, a questão gera debates há muito tempo, e não apenas nos dias de hoje. A discussão tem raízes antigas e se estende por diferentes períodos da história.


No Antigo Testamento, os termos hebraicos dão pistas importantes. O mais comum, "yayin", aparece em contextos que sugerem fermentação — como num episódio de Noé (Gênesis 9:21) ou Ló (Gênesis 19:32), onde a embriaguez é explícita. Já o "tirosh" (mosto) é citado, por exemplo, quando a Bíblia fala de colheitas abundantes: "Os teus celeiros se encherão de trigo, e os teus lagares transbordarão de mosto" (Provérbios 3:10). Mas aqui está o pulo do gato: o tirosh era suco fresco, sim, mas consumido rápido, já que, sem refrigeração, fermentava em questão de dias. Quem já fez suco caseiro sabe como isso funciona.


No Novo Testamento, a palavra grega "oinos" domina as narrativas. Em Efésios 5:18, Paulo alerta: "Não vos embriagueis com vinho". Ora, se fosse só suco, por que o aviso? E não dá para ignorar as bodas de Caná (João 2:1-11): Jesus transforma água em vinho — e o mestre-sala comenta que o melhor foi guardado "para agora", o que faz sentido se fosse algo com teor alcoólico, já que vinhos mais fortes eram servidos depois. 


Ah, e tem a questão histórica! Na antiguidade, fermentar o vinho não era opção: era a única forma de preservá-lo. Imagine o clima quente do Mediterrâneo sem pasteurização ou garrafas vedadas. O suco puro durava uns dias; o fermentado, meses. Por isso, até crianças bebiam vinho diluído (1 parte de vinho para 3 de água), como relata o escritor grego Ateneu. Mas mesmo diluído, tinha álcool — só menos.


Tem quem argumente: "Mas e João Batista, que não bebia vinho nem bebida forte?" (Lucas 1:15). Aqui, "sikera" (palavra para bebidas destiladas ou fermentadas mais potentes) é diferenciada de "oinos". Abrindo um pequeno parêntese aqui, muitos estudiosos consideram João Batista um nazireu devido ao estilo de vida ascético que ele levava, cuja abstinência fazia parte de seu voto nazireu, um voto de consagração a Deus que impunha restrições alimentares e de bebida. Ao se abster de ambas as bebidas, João Batista demonstrava um alto grau de consagração e disciplina. Ou seja: João evitava até o "vinho fraquinho", mas isso não prova que o "oinos" fosse suco. É como comparar cerveja e cachaça hoje: ambas alcoólicas, mas uma mais suave.


Um ponto curioso é que na antiguidade, o vinho era uma bebida comum e importante, tanto para o consumo diário quanto para rituais religiosos.


A água era frequentemente contaminada, então o vinho diluído era uma forma mais segura de hidratação.

E tem mais: o vinho também era visto como remédio.


Médicos da época usavam-no para aliviar dores, desinfetar feridas e até tratar problemas digestivos. Em alguns casos, misturavam ervas e outros ingredientes ao vinho para criar poções medicinais. Assim, além de aliviar a sede, essa bebida milenar era uma espécie de "curinga" para saúde, "espiritualidade" e sobrevivência no dia a dia.


Alguns grupos defendem que a Bíblia só aprovaria suco de uva, mas isso me soa anacrônico. Seria como dizer que, no século I, as pessoas tinham freezers para estocar suco o ano todo. Fora que, se o vinho fosse inofensivo, por que tantas advertências contra a embriaguez? Provérbios 20:1 não deixa dúvida: "O vinho é escarnecedor, a bebida forte alvoroçadora; e todo aquele que neles errar nunca será sábio".


Portanto, o vinho bíblico era, sim, alcoólico, mas com moderação. A questão não era o líquido em si, mas o autocontrole. Hoje, é fácil projetar nossos dilemas sobre alcoolismo nas Escrituras, mas na época, o foco era evitar excessos, não demonizar uma prática cultural normalizada. 


Mas a pergunta que não quer calar: A fé cristã proíbe tomar uma taça de vinho ou uma cerveja? A verdade é que a Bíblia não condena o consumo de álcool em si – até vemos Jesus transformando água em vinho em um casamento, como mencionado acima (João 2:1-11), lembra? O problema, como as Escrituras deixam claro, está na embriaguez. Aquele momento em que o excesso turva a razão, afasta o autocontrole e nos faz perder o equilíbrio que Deus espera de nós.


Mas então, tudo bem beber? A resposta não é simples. Cada pessoa precisa buscar em oração e honestidade: "Isso edifica minha vida e a dos outros?". Porque, veja bem, a liberdade cristã nunca é egoísta. Se beber vai ferir alguém mais fraco na fé, ou se você luta contra o vício, a escolha mais amorosa – para consigo e para com o próximo – pode ser dizer "não" (Romanos 14:21).

No fim, a questão não é "posso ou não posso?", mas "como isso reflete meu coração?". Domínio próprio, sabedoria e amor guiando cada decisão (1 Pedro 5:8; Gálatas 5:22-23). Assim vivemos a liberdade que Cristo nos deu, sem cair em armadilhas.


Diogo Oliveira 


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